A Vegetariana, Han Kang
(Fotografia tirada em Dezembro, com o mar das Caraíbas como cenário)
"Antes de a minha mulher se ter tornado vegetariana, sempre pensei nela
como alguém que não tinha rigorosamente nada de especial".
É assim que começa este livro tão badalado nos últimos dois anos, desde que foi traduzido para língua inglesa, em 2016, e nesse mesmo ano ganhou o Man Booker International Prize (quase dez anos depois da sua publicação em 2007, na Coreia do Sul). Tudo o que ouvi sobre o livro despertou-me um interesse que, à partida, o título por si só não despertaria. Percebi que não era um livro sobre vegetarianismo puro e duro, e que havia um enredo mais complexo por trás. Sabia que a vida de uma família mudava a partir do momento em que a protagonista decidia tornar-se vegetariana. Não sabia o que esperar da história, mas certamente não era parecido com o que li. Não posso dizer que tenha adorado - como tanta gente adorou - apesar de lhe reconhecer valor. Tem partes bastante originais, outras achei banais. E acho que a história se perde a meio. Parece que a autora tinha a ideia estruturada quando começou a escrever e depois foi-se perdendo, sem saber para onde ir. A permissa com que começa é muito boa, mas depois entra num decrescendo em que o final não tem a força do início.
Yeong-hye é 'A' vegetariana. É à volta dela que a história se constrói, apesar de nunca conhecermos totalmente o que lhe vai dentro da cabeça. O livro está dividio em três partes e nenhuma é narrada por ela. A primeira parte é pelo marido, a segunda pelo cunhado e a terceira pela irmã, dando-nos três perspetivas diferentes. Vamos percebendo como a decisão de ser tornar vegetariana influenciou toda a família e o futuro de cada um. Mas, no fundo, nada do que se passou a seguir esteve diretamente ligado à decisão dela, mas sim a problemas mais profundos de relacionamentos, personalidades e egos. Gosto muito de ler sobre relações humanas e, por isso, gostei bastante da primeira e segunda partes do livro. Teria dado quatro estrelas se o resto da obra explorasse esse caminho. Mas depois a história perdeu-me. Não quero dar spoilers, por isso não vou revelar mais. Mas tudo o que veio a seguir pareceu-me muito surreal. Consigo ter sensibilidade para compreender certo tipo de distúrbios mentais, mas para mim houve muita coisa sem sentido nesta história. Nem o amor incondicional da irmã por ela me aqueceu o coração, não me tocou. E o irmão? O que trouxe à história? Personagem desnecessária, criada ninguém sabe bem porquê, tal e qual a ajudante de Yeong-hye no hospital. Li as últimas páginas já a bufar e sem paciência. E sim, percebi a mensagem que quis passar. Só não gostei por aí além.
Também acho que o título não corresponde ao conteúdo e isso irritou-me. Li e vi tantas opiniões a focarem-se tanto na decisão de Yeong-hye em deixar de comer carne e que sofreu porque isso ia contra as "normas" da sociedade e bla bla bla...mas, sinceramente, acho que isso é o facto com menos importância neste livro. É uma questão relevante sim, mas fica completamente em segundo plano aqui. Porque percebemos que os problemas dela já vinham de trás, muito antes da decisão. Também se diz muito que é "a história de uma mulher com desejo de ser dona das suas vontades, de querer controlar o próprio corpo". Não concordo. Acho que toda a razão para se querer tornar vegetariana - e posteriormente uma árvore - da forma radical como o faz, e com a apatia que mostra ao longo de todo o processo, revela é alguém muito perturbado, com um sofrimento e depressão profundos. Esse sim, é o foco principal do livro, na minha opinião. Acho que descreve bem alguns aspectos relacionados com a Solidão. Gosto muito mais da face negra e depressiva das personagens tratada de forma intrínseca, do que estando associada à tal decisão. Os relacionamentos humanos, as reacções, as motivações mais profundas de um personagem é o que mais gosto de ler e descobrir. E isso é, para mim, o ponto alto do livro.
"Vê os pingos da chuva a fustigarem a janela, com a cadência constante em que
só as pessoas habituadas à solidão reparam".
Título: A Vegetariana
Autor: Han Kang
Edição: D. Quixote, 2016
Ano de publicação: 2007, Coreia do Sul
Nº páginas: 190