Mrs. Dalloway, Virgina Woolf
"Mrs. Dalloway disse que ela mesma compraria as flores". É assim que começa este romance de Virginia Woolf, publicado em 1925, que narra um dia na vida de Clarissa Dalloway, uma senhora de alta sociedade, em Londres. Vamos acompanhar Mrs. Dalloway, durante todo aquele dia solarengo de Junho, nos preparativos para a festa que dará em casa nessa noite. E o que à partida pode ser simples, torna-se numa histórias com várias camadas na narrativa que requer a atenção do leitor. Mrs. Dalloway é uma personagem complexa, que vive numa melancolia incurável e numa ansiedade dolorosa que nos faz lembrar a própria autora, que como se sabe tinha algumas perturbações psicológicas, por isso não admira que transportasse essa densidade emocional à protagonista.
A obra é escrita com a técnica do fluxo de consciência e, por isso mesmo, diferente de tudo o que li antes. É uma técnica literária onde se procura transcrever o processo de pensamento de uma personagem, intercalando o raciocínio lógico com impressões pessoais e mostrando como se desenrola uma associação de ideias. É como se estivessemos dentro da mente de alguém, a acompanhar ao pormenor os pensamentos que lhe passam pela cabeça. Não sabemos apenas o que pensam, mas como pensam e todo o fluxo de ideias que acontece durante um período de tempo. Dizem que demoramos a entrar neste tipo de leitura e que depois flui muito bem. Eu não achei. Custou-me entrar nesta história e não foi um livro que li de forma rápida, ainda que seja curto.
O desenrolar da história acaba por dar protagonismo também a outros personagens, que à primeira vista nos parecem secundários, como Peter Walsh, velho amigo e apaixonado de Clarissa, que regressa a Londres passados muitos anos fora, e que acaba por fazê-la reviver o passado, ou Septimus Warren Smith, um ex-soldado perturbado depois da Primeira Guerra Mundial. Logo no início da obra, enquanto Clarissa compra flores, Septimus passa na mesma rua com a mulher, a caminho do psicólogo. É um personagem triste, com pensamentos suicídas, que muitos dizem ser um retrato da própria autora que, como é de conhecimento geral, acabou com a própria vida em 1941. Há várias semelhanças entre as condições de Septimus e a luta de Woolf com o seu transtorno bipolar (spoiler: ambos alucinam que pássaros cantam em grego e Woolf tentou, uma vez, mandar-se de uma janela, como a personagem de Septimus faz).
Uma das coisas que mais gostei na obra foi a forma como Virginia Woolf nos faz sentir a passagem das horas. O tempo da narrativa é marcado pelas badaladas do Big Ben de hora em hora. É genial! Nesse ritmo, Mrs. Dalloway transporta-nos à análise de uma vida socialmente agitada, na Inglaterra do Pós Primeira Guerra, intercalando com memórias da juventude. Acabamos por regressar várias vezes ao passado das personagens, por lembranças ou conversas de Mrs. Dalloway com Peter Walsh ou Sally Seton, sua velha amiga também, que recordam os verões passados no campo, onde a paixão era o motor de felicidade entre Clarissa e Peter, Clarissa e Sally e até Clarissa e Mr. Dalloway que se tornou seu marido. Alguns desses momentos tornam-se maçadores como, por exemplo, as vinte e tal páginas em que entramos na cabeça de Peter e parece que nunca mais de lá saímos...
Foi a primeira obra de Virginia Woolf que li. Ouvia muita gente falar bem desta obra, comprei-a na Feira do Livro de Lisboa em 2015 e li-a no Outono desse ano. Acho esta capa do "Clube do Autor" linda, linda, linda. Gostei da história e foi, sem dúvida, uma mais valia enquanto leitora. Mas não se tornou um dos meus preferidos, como achei que se ia tornar. Não foi o que imaginei que ia ser. Talvez tenha que o reler um dia para chegar a camadas mais profundas da narrativa, para absorver melhor todos os pensamentos e metáforas da vida que Virginia Woolf nos quis transmitir. Dei três estrelas.
Entretanto também vi a adaptação do romance ao cinema, "Mrs. Dalloway" de 1997, e não achei nada de especial. Paradíssimo. Uma seca.
Sinopse:
A I Guerra terminou, o Verão apodera-se de Londres e Clarissa prepara-se para dar mais uma das suas festas. Mas o aparecimento de , o seu primeiro amor, vai atiçar o passado, trazendo-lhe à memória os sonhos de juventude. E de súbito, Clarissa Dalloway toma consciência da força da vida em seu redor. A singularidade da obra vem dessa espécie de sósia de Mrs.Dalloway, que é Septimus Warren Smith, um homem prestes a enlouquecer com o trauma da guerra e com quem Clarissa parece partilhar uma mesma consciência. Septimus é contraponto de Clarissa: uma chaga aberta, a sua dor exposta ao mundo. Clarissa, por outro lado, esconde o seu silêncio, cobrindo-o com festas sociais. Virginia Woolf expõe neste romance diferentes modos sentir, evocando, mais que o espírito do tempo, o espírito da própria vida no olhar de cada personagem.
Título: Mrs. Dalloway
Autor: Virginia Woolf
Edição: Clube do Autor
Ano de publicação: 1925
Nº páginas: 202